A Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) divulgou nesta semana os dados referentes ao desempenho de 2019: 644 mil vagas de emprego formal no ano passado, 21,63% a mais que o registrado em 2018. Um dos fatores que alavancou este crescimento foi justamente em decorrência da flexibilização dos direitos que ocorreu na reforma trabalhista em 2017 ainda no governo Temer, mais precisamente a figura do trabalho intermitente, o qual correspondeu acerca de 16,5% do total 106 mil novos postos de emprego.
O trabalho intermitente se caracteriza por ser um contrato escrito, e portanto formal, devendo conter no contrato o valor da hora de trabalho, sendo vetado ser este inferior ao valor horário do salário mínimo, e também o valor da hora não poderá ser inferior aos dos demais empregados do estabelecimento que exercem a mesma função, e o aviso com três dias de antecedência para a convocação dos serviços. Destarte, o empregador nos moldes descrito acima somente convocaria o trabalhador quando houvesse demanda.
O cerne da questão é justamente como o trabalhador irá se sustentar visto que receberá apenas quando houver trabalho, uma vez que não é garantia que haverá sempre prestação de serviços a ser executada pelo empregado todos os meses, deixando-o vulnerável e não garantindo renda fixa mensalmente; para sanar esta lacuna, o trabalhador será obrigado a ter mais de um emprego com carteira assinada e concorrer às vagas de emprego com os desempregados. Então, você tem um número maior de carteiras assinadas, mas estas pessoas continuam a procurar um emprego.
Em vista deste e de outros questionamentos, está em tramitação a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6154 no Supremo Tribunal Federal. A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) o qual aponta o artigo 443 da CLT § 3º: “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria” como sendo inconstitucional, uma vez que fere diretamente os princípios fundamentais da Constituição Federal de a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho anunciado logo no artigo 1º: “ A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (…)”.
É indispensável dizer que o fundamento da dignidade da pessoa humana está intrinsecamente ligado ao de valores sociais do trabalho. O trabalho faz parte do arcabouço complexo que promove uma pessoa ao status de cidadão, o qual é participante de todas as atividades da comunidade, e é sujeito dotado de atributos os quais devem ser digno de respeito por outros cidadãos da comunidade. Ainda pode ser atribuído ao princípio o progresso de uma sociedade, pois sem o labor é impossível qualquer sociedade transformar o meio em que vive, e avançar em todas as áreas: econômica, sociais, políticos, jurídicos, morais, entre outros.
Por outro lado, o valor social do trabalho também vai impor ao mercado o valor do homem, dentro dos parâmetros aceitáveis pela sociedade: do seu tempo gasto para executar o serviço , da sua mão de obra, das suas faculdades e habilidades; daí a supra relevância em se proteger o trabalhador diante do mercado de trabalho e da economia. Mesmo tendo outros fundamentos da nossa Constituição, assim como da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, o de ser uma economia de mercado, e de ser um sistema capitalista (este último implicitamente), assim exposto na no título da Ordem Econômica e Financeira , artigo 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) II – propriedade privada; (…) IV – livre concorrência; (…) VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; (…)”, conclui-se assim que o nosso país tem como guia o sistema capitalista, contudo, não poderá este reduzir o homem para satisfazer os seus anseios de lucros exacerbado a ponto de impor ao trabalhador condições humilhantes e degradantes, tanto o é de fato que é vedado de todo qualquer trabalho análogo à escravidão, e é crime no Brasil conforme o artigo 149 do Código Penal, in verbis: “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”
Conforme a entidade a qual ingressou com a ADIN, o direito do trabalho, pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, visa impor um mínimo existencial que deve integrar ao patrimônio do empregado, e este fator deverá servir para limitar os avanços e flexibilizações das leis trabalhistas, de outra forma estará sujeitando o trabalhador a trabalhos precários, sem que supra o mínimo necessário para a subsistência deste. O governo, sendo assim, em nome da geração de empregos, pode relativizar princípios fundamentais como o salário mínimo? É justificável precarizar as condições de trabalho para que haja mais ofertas de empregos?
Todas estas questões deverão ser analisadas pelos magistrados do STF em 14 de maio, data marcada para o julgamento da ADIN.