Na terça-feira da semana passada, a lava-jato acumulou mais uma derrota: a sentença proferida pelo STF em favor do ex-presidente Lula contra o “ex” juiz da Operação, Sérgio Moro no famigerado caso do processo do triplex do Guarujá . O ex-magistrado, o qual atuou na maior parte do processo, foi considerado suspeito pela 2ª turma do Tribunal Superior, sendo que a ministra Carmen Lúcia deu o voto de Minerva para sentenciar a favor do ex-condenado, invertendo o resultado que estava de 3×2 contra a suspeição para a favor.
O julgamento ficou suspenso por mais de dois anos após um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Este foi incluído novamente na pauta no início deste mês , logo após o ministro Edson Fachin decidir anular ambos os processos que envolviam o ex-presidente Lula: o do triplex e do sítio de Atibaia.
Na semana anterior, o ministro Edson Facchin decidiu pela incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba em julgar tanto o processo do triplex, quanto o processo do sítio de Atibaia, além das ações do Instituto Lula, invalidando todo o processo em todos os casos, e remetendo-os para a Vara de Brasília, invalidando todas as sentenças proferidas, porém prevalecendo as provas colhidas. Na ocasião, o ministro disse em sua decisão que os autos deveriam ser remetidos para a Justiça do Distrito Federal, e que caberia “ao juízo competente decidir sobre a possibilidade de convalidação”.
Contudo, vamos recapitular os motivos pelos quais fizeram com que a magistrada mudasse o seu entendimento acerca do fato.
De acordo com a magistrada, houve uma série de eventos póstumos ao seu voto que a fez rever o seu posicionamento. De acordo com a ministra Cármen Lúcia, houve uma “espetacularização” quando na condução coercitiva de Lula para depoimento em 2016, sem que ao menos o réu tivesse sido intimado anteriormente. Teceu severas críticas também sobre o grampeamento telefônico feito no escritório de advocacia da defesa do acusado. Ela disse que houve a “quebra de um direito do paciente, que não teve um julgamento imparcial que lhe seria assegurado por normas constitucionais”, e ainda, “Houve comportamentos inadequados e que suscitam portanto a parcialidade”, disse a ministra.
Mas o que seria um juiz suspeito? E qual é a diferença deste para um juiz impedido?
Vamos primeiro entender da suspeição. O juiz será considerado suspeito, de acordo com a nossa legislação, quando se comprovarem estas situações descritas no artigo 254 do Código Penal: “O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; Vl – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”
Já o juiz impedido tem um caráter mais objetivo, geralmente há comprovávamos mais robusta, como a consanguinidade, e ocorrerá quando acontecer uma das hipóteses citadas pelo artigo 252 do mesmo Código, as quais são: “O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I- tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito. E podemos ainda citar o artigo 253: “Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive”.
Outra diferença supra relevante é que no impedimento o juiz do caso tem o dever de dizer que não pode julgar o caso, já no caso da suspeição, o juiz não tem esta responsabilidade, e destarte, é uma das partes do processo é quem tem este dever, assim exposto no §1º : “§ 1º A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.”
todavia, este não poderá criar a situação de suspeição como está estabelecido no artigo 256: “A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.”
Sendo comprovada tanto a suspeição quanto do impedimento, os autos serão passados para um juiz substituto, assim descrito no art. 313 do Código Civil: “. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer o impedimento ou a suspeição, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal; em caso contrário, dentro de 10 (dez) dias, dará as suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa dos autos ao tribunal”.
Este zelo todo nesta matéria está fundamentada no princípio da imparcialidade do juiz, o qual ilustra a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 19), que exige que os Estados Membros da ONU garantam um julgamento igualitário, justo, público e realizado por tribunal independente e imparcial. E a nossa Lei Maior fala em seu artigo 5, inciso XXXVII que “ – não haverá juízo ou tribunal de exceção”.
Retomando ao caso do Lula e do Moro, o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro respondeu, em uma rede social, que tem “absoluta tranquilidade” sobre os acertos de suas decisões, e que garantiu o devido processo legal aos casos sob sua responsabilidade.
Quanto aos efeitos do processo, serão bem mais severas do que a do julgamento anterior sobre incompetência, todos os atos praticados, inclusive as provas são plenamente nulas.
Os advogados de defesa do Lula querem que outros réus tenham o mesmo julgamento, porém, a própria Carmen Lúcia já se pronunciou que este é um caso específico: ““Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente [Lula] que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição”.