BAIANO, NÃO EMPRENHE PELOS OUVIDOS!
Nessa época de pandemia, você fica muito tempo sem encontrar os amigos ou conhecidos, mesmo morando na mesma cidade. Dia desses encontrei um deles e o assunto como sempre foi política e o processo sucessório de 2022. Sonhador com o surgimento da suposta terceira via, ele queria saber minha opinião, porém, minha resposta não foi digerida pelo sujeito.
Quando comentei no mesmo contexto sobre a sucessão estadual na Bahia, ele disse: “Aí sim! Agora você tem razão”. Vejam bem. Meu amigo gostaria que eu afagasse os seus ouvidos com outra opinião. O cara é profissional da área de saúde e, naturalmente como todos nós, tem opinião formada sobre determinados temas, mas até ser conhecedor do assunto, ter informações seguras e dados empíricos, são outros quinhentos.
Em outra oportunidade, na sucessão de 2018, outra pessoa veio falar comigo e de celular na mão, sempre que eu falava o que ele não queria ouvir, o WhatsApp era acionado com algum banner contradizendo a minha opinião. Esse é o famoso engenheiro de obras prontas, desses que vemos ativamente nas mídias sociais, compartilhando tudo aquilo que chega até ele, sem ao menos parar pra pensar se aquilo é factível, se a informação é precisa. Nunca encontramos a fonte da suposta informação, tampouco algo escrito pelo próprio, expressando em palavras ou num texto, as suas opiniões. Semana passada postaram que o fanfarrão do Planalto, que nunca foi a um hospital visitar um doente, fez um passeio de motocicleta com 1,3 milhão de participantes. Dados do Detran/SP informam que na cidade de São Paulo existem 1,2 milhão de motos, portanto seria preciso toda a frota da capital e mais 100 mil participantes de fora da cidade. No final da história tinha 6,6 mil motos.
Trocando em miúdos. Fica feio para algumas pessoas, que acreditamos serem conscientes da realidade, postar esse tipo de informação mentirosa, sem se certificar que seja algo crível. Da mesma forma, também conheço pessoas que a partir da opinião de outrem, um pastor, por exemplo, passa a se expressar da mesma forma que ele. Também tenho amigos que caminharam sempre na esquerda, foram perseguidos, investigados inclusive pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) na ditadura e hoje estão na extrema direita. A mudança de postura é tão extrema, que não posso pensar diferente: alguns estão nessa linha por falta de conhecimento e outros por interesse.
Charles Wright Mills (1916-1962), sociólogo americano e um dos pais da Teoria das Elites, sempre foi preocupado com os “sem poder”, atento ao problema da dominação política, da democracia e dos pequenos proprietários. No livro A Elite do Poder, Mills se inquietava com o fato de a sociedade moderna ter criado meios de comunicação capazes de enfraquecer o espírito crítico, criando indivíduos desprovidos de autonomia e reduzidos a uma massa sem forma.
Em 1998, numa época em que para estar bem informado sobre as notícias políticas diárias era necessário ler vários jornais, convivi em Brasília com Luiz Gonzaga de Assis, cearense e assessor parlamentar do Senador Mauro Benevides, vice-presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Em nossas conversas entre uma cerveja e outra, ele me deu o seguinte conselho: “Baiano, não emprenhe pelos ouvidos, nunca acredite em tudo que falam”. Luiz Gonzaga não sabia que esse aforismo, cairia como carapuça na cabeça de muita gente hoje.