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CRÔNICA DA VIDA REAL – A “PORRA” EMBARGADA

Por Lilian Lima

Imagine você que situações inusitadas ocorrem a todo momento. E nas situações de grandes tragédias ou dias festivos não é diferente. A situação fática ocorrida foi a seguinte.

Uma formatura, a solicitação de uma música capaz de expressar a subjetividade do formando, ensaios, fotos e toda a pompa e circunstância que o momento exige. Tudo tranquilo, não fosse por uma questão surgida em meio aos rapapés da preparação para a solenidade: a música, “a minha música foi embargada”. Isto porque traz em seu refrão a expressão “mulherão da porra”, sob a justificativa anunciada, de que “palavrões e expressões artísticas” são proibidas no momento da solene cerimônia”. E que, portanto, a música que conta a história de uma mulher batalhadora, cuja letra enfatiza “mulher que levantou, caiu, que chora e ninguém viu, que não se cansa de estudar, que sabe se valorizar” (trechos literais da letra da música), e em seu refrão explana ” porque ela é um mulherão da porra”. Esta expressão não fora observada no contexto proposto, quer dizer, consoante ao que expressa o dicionário informal “mulherão da porra” significa Mulher de alto valor, bem resolvida, independente, bonita, atraente, inteligente e feliz consigo mesma.

Confesso que não fui uma aluna brilhante, durante o curso, não fui nada próxima de aluna exemplar que um dia fui ao cursar Filosofia há 25 anos, já chegava no curso noturno exausta, depois de lecionar para nove turmas da Educação Básica no transcurso da semana, e atuar também em gestões escolares. Também confesso o meu lado boêmio, do gostar de meu churrasquinho com a cervejinha nos finais de semana e do encontro com os amigos, por vezes, não abdiquei dessas coisas. Mas, isso não me tira o brilho ou o mérito de vencer o percurso, de todo modo, sou vencedora.

Eu, uma mulher adulta, na terceira formação, oriunda de uma família humilde de Ilhéus, neta de um peão das roças de cacau, tive a música que escolhi para me representar, que remonta às minhas memórias afetivas, proibida. Cuja escolha perpassou pela superação de uma família desestruturada, paupérrima e que em nada pôde incentivar o meu crescimento pessoal ou intelectual. Então, esta música para mim é uma espécie de catarse, diante de tudo o que enfrentei, “um resgaste de minha subjetividade”, uma valorização para o meu “eu” tão reprimido na infância, tão combatido na juventude. Logo, meu ser adulto se nega a aceitar convenções que em nada contribuem para a formação do meu caráter ou de qualquer pessoa.

Diante de meus questionamentos o que ouvir? Seja madura, cada instituição com suas regras, trata-se de um momento solene… Mas, e quanto a licença poética, a tudo que aporta para a criatividade? Apenas em favor de uma atitude purista, que não aceita a linguagem popular, regional, tipicamente baiana, quem já não disse “porra véi”? De fato, não sou favorável ao palavrão, e nem foi deste modo proposto. Tal atitude coercitiva revela um preconceito linguístico acerca da fala e da comunicação. Triste estou (me reportando a personagem Frozem), pois, apenas queria me emocionar e passar a mensagem de como nós mulheres brasileiras somos batalhadoras, resilientes e fortes. Se os modernistas não tivessem insistido em sua nova maneira de fazer arte, até hoje, estaríamos sem reconhecer a identidade brasileira, ou seja, revolução da história por meio da arte.

Assim, o momento em que estivesse entrando na minha formatura para receber o meu canudo, eu sou essa mulher. Por isso, meu espírito exultante estaria, ao ouvir “mulher que estuda no frio e no calor, respeita essa mulher, é sexy, sem ser vulgar”. Ela é um mulherão da porra”. Ao expressar minha indignação, excetuo os meus nobres colegas, ou a quem tenha definido essa vedação e, sim, me indigno contra essa moralina exacerbada, contra a hipocrisia que não observa o entorno: a miséria, a violência, as condições insalubres da população. E logo eu, uma mulher que integra uma academia de Artes e Letras, que contra todas as dificuldades para publicar no Brasil, escreve livros, e que aprendi a não me conformar com o simplesmente dado, isto porquanto a Filosofia me permitiu compreender e não aceitar de pronto, o imposto, sem o direito a contraposição, ou conforme o Direito, a defesa e ao contraditório. Afirmo, de forma tranquila, conservadorismos não mudam essências e não transformam sociedades.

Ah, se eu pudesse, entraria cantando a minha música, (interpretada pelo cantor Zezo, na verdade, de quem sou fã desde a juventude, eu sou brega rss), mas, a minha voz não é harmônica. Estou mesmo indignada com esse embargo, e como aqui posso expressar sem maiores retaliações, digníssimos leitores, como mulherão que sou, no bom e bonito baianês, questiono: vocês concordam com esse embargo da porra?

Por: Lilian Lima Pereira – Mestre em Educação, Sociedades e Culturas, Graduada e Especialista em Filosofia, Autora de obras educacionais e Bacharelanda em Direito.

     

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