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COLÉGIO JORGE AMADO
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O ESCÂNDALO DE BILHÕES, OS GASTOS COM CARTÕES E OS ÍNDIOS COM AFLIÇÕES

Nos idos de 2009, quando o Brasil era a sétima economia, referência no mundo, e o povo brasileiro era tido como um dos mais felizes, um amigo, chamado Kim Jones, morador de Woburn, Massachussetts, EUA, me perguntou com quanto em dinheiro ele viveria no Brasil e onde, um local que tivesse sol o ano todo para pescar. Fui explicando a ele de forma didática, iniciando com o câmbio e o quanto o patrimônio dele, convertido em real, iria valer aqui, além de um valor que seria o necessário mensalmente, para viver pescando e sem preocupações, isso através de aplicações financeiras. Kim era um cara perspicaz, com formação em história americana, dava aulas de inglês e, em determinado momento do nosso bate papo, o assunto enveredou pela política. Ele entendeu, sem maiores dificuldades, sobre o nosso sistema político, com multipartidarismo e eleições majoritárias para alguns cargos e proporcional para outros.

Apesar de existirem outros partidos nos Estados Unidos, o sistema politico americano é tido como bipartidário, pela predominância e relevância dos Partidos Democrata e Republicano, de forma que uma pequena minoria não vota nesses dois partidos que governam o país desde as eleições presidenciais de 1852.

Como no Brasil existe a possibilidade de novas eleições em segundo turno no sistema majoritário, Kim saiu com essa preciosidade: “se são vários partidos na disputa e depois ocorrem novas eleições somente com dois partidos, quer dizer que se eu chegar num restaurante querendo comer “shrimp” – camarão – e não tem, sou obrigado a comer outra coisa? Entendi perfeitamente a analogia que ele criou e respondi que existia a possibilidade de ele não comer nada e ficar com fome, para, em seguida explicar que em eleições pode-se votar em branco ou anular o voto, concluí. Nas eleições de 2022, especificamente no nosso caso, antecedendo à escolha do prato desejado, veio a repulsa, a ojeriza e o ódio pela outra opção no cardápio.

Passados 25 dias da posse do novo governo e 87 dias do segundo turno das eleições, ninguém, absolutamente ninguém, iria imaginar que o capital político de Jair Messias Bolsonaro estaria derretendo a olhos vistos. A divulgação da quebra de sigilo por 100 anos de alguns documentos, os atos de 8 de janeiro contra a sede dos três poderes, a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da justiça Anderson Torres, a divulgação dos gastos e saques em dinheiro com o cartão corporativo e, por último, os atos criminosos perpetuados contra o povo Yanomami, deixaram o ex-presidente em maus lençóis. Os anos de JMB no poder foram trilhados com uma tragédia encobrindo outra, com fundamentalismo religioso inflado pela política de ódio e disseminação de factoides contra adversários.

No horizonte, nuvens negras e carregadas o aguardam, a inelegibilidade é inevitável, seja em inquéritos no TSE ou no STF. Parte dos seus asseclas no governo, estão como abutres, aguardando sua queda. Tarcísio Freitas, governador do maior estado do país, Romeu Zema, governador do estado com o 3º maior PIB do Brasil, General Hamilton Mourão, senador eleito pelo RS e ex-vice presidente da república, Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e senador eleito pelo RN, são alguns dos interessados no capital político de JMB. Todos esses são menos toscos, com menos rompantes e são muito mais articulados. Ao lado, observando tudo, está Valdemar da Costa Neto, presidente do PL que se comprometeu a pagar seu salário mensal, além de escritório e casa de condomínio como moradia. Mas inelegível…

Sem o palanque/cercadinho diário para pautar os assuntos do dia, sem a estrutura que o poder oferecia e sem os passeios a bordo do cartão corporativo, Jair vai ter que começar de baixo novamente e provavelmente terá concorrentes da centro direita, direita e extrema direita, se escapar da justiça. Ele já teve a sua oportunidade e acredito que naquela cadeira do principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto ele não volta a sentar.

O artigo 3º da Constituição de 1988 cita como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, “erradicando” a pobreza, a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nas palavras do então deputado Jair Messias, em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia eles não tem esse problema em seu país”.

O mundo está estarrecido com as imagens do povo Yanomami, divulgadas nas mídias nacional e internacional nos últimos dias. Marginalizados pelo sistema e invisíveis para sociedade, os povos indígenas, legítimos donos das terras de Vera Cruz, estão sendo dizimados por invasores que buscam em suas terras o enriquecimento ilegal através da extração de minérios. É vergonhoso o silêncio dos poderosos, daqueles que receberam 21 pedidos de ajuda dos Yanomamis nos últimos quatro anos e fizeram ouvidos de mercador. Isso não é novidade nessas terras tupiniquins, os nordestinos e negros escravizados também viveram situações da mais completa penúria. Como diz o adágio popular, “Aquilo que os olhos não veem, o coração não sente”.

Parte da população brasileira não tem ideia da dimensão da miséria e da extrema pobreza que os excluídos vivem. No livro Travessia, de Eduardo Moreira, um nordestino do semiárido falava sobre o sofrimento que era viver naquelas condições de penúria e o autor perguntou: “como é possível aguentar tanto sofrimento e seguir em frente”? Seu João, candidamente respondeu: “a única coisa que me fazia levantar da cama e aguentar todo aquele sofrimento era acreditar que depois que a gente morresse eles iriam para o inferno e a gente iria para o céu. Só isso.”

Dentre todos os assuntos que circularam na mídia nesses 25 dias de 2023, somente o caso das Lojas Americanas não diz respeito ao governo que terminou em 30 de outubro passado (sim, terminou junto com o segundo turno), mas mostra o abismo que existe dentro da nossa sociedade com relação ao tratamento dado aos índios, renegados pelo sistema, e aos bilionários que, após 10 anos de “inconsistências contábeis” numa das empresas do grupo, ainda são tratados como deuses pelo mercado financeiro. Os egressos da Harvard University, com suas carreiras brilhantes, palestras mundo afora sobre o liberalismo econômico, criaram “um lucro artificial para gerar dividendos” e isso é fraude. São esses que, para não serem nominados, são chamados pela grande mídia de “o mercado” e esbravejam com mau humor quando o assunto é, por exemplo, o aumento do salário mínimo.

As mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, de lideranças indígenas em vários estados do país, a deliberada falta de assistência aos povos originários em época de pandemia, a liberação de desmatamento e garimpo ilegal em território indígena, que beneficiou grileiros, infratores e foras da lei, além dos traficantes de drogas, de madeira e de animais, são reflexos da política ambiental implantada por Jair Bolsonaro e seu ministro Ricardo Sales, aquele da reunião em que ficou acertado que iriam aproveitar e deixar a “boiada passar”.

O Brasil está raquítico em todas as áreas e, só para citar uma delas, desde 2017 o valor da merenda escolar é o mesmo. Segundo reportagem do Jornal Nacional, hoje são R$ 0,36 por dia para cada estudante do ensino fundamental e médio; R$ 0,53 para os alunos da pré-escola; e R$ 1,07 para os alunos em creches ou no ensino integral.

Até agora, em janeiro de 2023 o que vimos foi: Lemann & Cia com seus bilhões, Jair com seus cartões e os Yanomamis com suas aflições.

José Cássio Varjão – Cientista Político, Membro da Associação Brasileira de Ciência Política.

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