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O OCASO DA CAPITAL DO CACAU

Por José Cássio Varjão*

Sendo um tema fundamental entre as Relações Internacionais e a Ciência Política, os estudos migratórios são fenômenos sociais, culturais, históricos, políticos e econômicos de suma importância, principalmente na era da globalização. Uma das causas de maior convergência da migração é a motivação econômica, que, no caso a ser tratado nesse texto, denomina-se como migração interna. Em outras palavras, é a movimentação de pessoas entre regiões dentro do mesmo país, sendo uma ação preponderante do indivíduo na busca por ambientes que ofereçam melhores condições de vida. Para Lunardi (2015) “essa categoria de migração é útil para compreender que há um resultado de instabilidades econômicas e dos desequilíbrios das forças do mercado”.

Nesse cenário, é importante destacar que o fenômeno migratório está presente na história da humanidade pelo caráter nômade dos povos originários, que migravam em busca de terras para agricultura e de animais para a caça. Atualmente, existem diferentes motivações para o ser humano migrar, mas, entre os principais fatores, destacam-se a migração desejada, aquela que se dá por vontade própria e, a migração forçada, quando fatores externos obrigam uma mudança brusca.

O glossário da Organização Internacional das Migrações (OIM) apresenta uma conceituação de migrante, que, em geral, incluem os casos em que a escolha por migrar é tomada pelo cidadão de modo livre, por motivos pessoais, sem a interferência de questões externas que o obrigue a se deslocar, normalmente mudam em busca de melhores condições de vida. Já a migração forçada ocorre por perseguições e conflitos, como está acontecendo em Gaza, ou devido a alterações ambientais repentinas ou progressivas que afetam negativamente suas condições de vida, temporariamente ou permanentemente, caso do Rio Grande do Sul, atualmente.

A questão migratória teve papel marginal sobre a mobilidade das pessoas. Alguns sociólogos, como Thomas Malthus, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, entre o final do século XIX e início do século XX, entendiam que a migração era o resultado do avanço do sistema capitalista, da mesma forma que a urbanização e o êxodo rural. Já Ravenstein, em 1885, elaborou o modelo push-pull, que significa a repulsa do seu local de origem e a atração pelo seu local de destino.

A pandemia da covid-19 também esteve no centro das causas que motivaram o fenômeno migratório recentemente, porém, na maioria dos casos, a mudança ocorreu inversamente, como o retorno às cidades de origem ou para lugares com menor densidade demográfica, ocasionando a migração desejada. No contexto econômico, à época de enfrentamento da pandemia, com os protocolos sanitários adotados, os efeitos foram observados em nível nacional, não apenas regional.

O maior avanço de migração interna no Brasil ocorreu entre 1960 e 1980, com um enorme deslocamento de pessoas das áreas rurais para as cidades, o chamado êxodo rural. Antes, na década de 40 do século passado, também se verificou alta migração de pessoas da região nordeste para a região sudeste do Brasil, substancialmente para São Paulo e Rio de Janeiro. Devido à ocupação desordenada do solo, isso se revelou posteriormente um equívoco, provocando o surgimento de ambientes de extrema pobreza nas metrópoles. Outro epicentro de migração, em grandes proporções, ocorreu entre o final da década de 50 e início da década de 60, durante a construção de Brasília. Foram milhares de pessoas que deixaram suas regiões, na grande maioria operários mineiros e nordestinos, que migraram para trabalhar nas obras da nova capital, os denominados “candangos”.

Nessa busca por melhores condições de vida, a região cacaueira do sul da Bahia, em meados do século passado, foi um “eldorado” para milhares de pessoas oriundas do norte e nordeste da Bahia, e de outros estados da região nordeste, destacando-se Sergipe. A prosperidade da região cacaueira do sul da Bahia era tão relevante, que fazia do ICM do cacau a fonte principal de pelo menos 70% da folha de pagamentos do funcionalismo público estadual. Entre a década de 1960 e 1980, os corretores de imóveis da capital tinham os cacauicultores como foco para compra dos imóveis construídos nos principais bairros de Salvador. A venda era certa.

Após a divulgação do XIII Recenseamento Geral do Brasil, em 2022, popularmente conhecido como censo demográfico, que resultou na diminuição da população de algumas cidades, nos vemos novamente cercados pelo fenômeno migratório, nessa oportunidade, atingindo a maior cidade da região cacaueira, berço dos imigrantes de outrora. A Itabuna de 2022, com 186.708 habitantes, equipara-se à Itabuna de 1991, que tinha 185.277 habitantes, diminuindo 8,69% com relação ao censo de 2010, quando o município teve 204.667 habitantes (fonte IBGE). Qual a principal motivação para o esvaziamento populacional de Itabuna? O que levou uma cidade afortunada, tida como a capital da rica região cacaueira, a perder em uma década quase a população de Buerarema?

A crise da lavoura cacaueira começou em meados da década de 90, com a queda de preços no mercado internacional devido à grande oferta do produto em países da África, e, junto a isso, as poucas chuvas na região castigaram a lavoura diminuindo, consideravelmente, a produção. Como golpe de misericórdia, no final da mesma década, aparece um fungo, conhecido popularmente como vassoura de bruxa, que causa acelerado declínio na produção de cacau no sul da Bahia.

Em matéria da Folha de São Paulo, de 27 de julho de 1997, com o título “Crise do Cacau desemprega 250 mil na Bahia”, o presidente da Central Nacional dos Produtores de Cacau – CNPC, Wallace Setenta, afirma que “os desempregados do cacau foram para as favelas dos grandes centros urbanos, como São Paulo e Salvador, com a maioria sobrevivendo de bicos e do trabalho informal”. Passados quase 35 anos do surgimento da crinipellis perniciosa, a capital do cacau não teve tempo suficiente para se restabelecer economicamente?

A partir da metade do século passado, o capitalismo moderno trouxe significativas mudanças nos rumos da economia global. As empresas familiares foram sendo substituídas por abastados grupos empresariais de outras regiões do país, gerenciados por altos executivos que passaram a ter enorme influência social e política sobre a população em geral. A alta tecnologia entrava no cenário econômico nacional, provocando, a priori, o aumento no nível do desemprego, ação que provocou a migração interna, já citada nesse texto. Os movimentos resultantes do desenvolvimento do capitalismo e do advento da globalização não foram captados pelos gestores nesse período?

J.S. Pinheiro (Ford), Oduque Veículos (Ford), Silveira S/A (Chevrolet) Fonape (Wolkswagen), Cimol, Rosemblait, Móveis Itarte, Makro, Crediário Cometa, Lorva, Os Gonçalves, Farmácia Cabral, Farmácia São José, Expresso São Jorge, Viação Santa Efigênia, Viação Heitor Farias e Fátima e Supermercados Messias, são alguns exemplos de empresas familiares de Itabuna e região, que deram lugar a grandes corporações oriundas de outras partes do país. Com grande impacto negativo, observa-se que, nesses casos, os ativos provenientes do comércio/serviço passaram a ser transferidos para contas bancárias em outros estados. Esse ativo deixou de circular em Itabuna.

O movimento do comércio tem a contribuição indisfarçável da população flutuante de dezenas de cidades no entorno do município e, segundo os órgãos de trânsito, traduzem na circulação diária de mais 50 mil veículos automotores. Itabuna se destaca como polo de serviços, entretanto, os detentores de grande parte dessa pecúnia, que circula diariamente na cidade, são os profissionais liberais de diversas áreas, que, naturalmente, aplicam seus vencimentos em instituições bancárias, não gerando empregos, a não ser daqueles que os servem. O controle do potencial econômico de Itabuna saiu das mãos de comerciantes e foi para as mãos de investidores em imóveis e aplicações financeiras.

Dizem os mais vividos, que a última grande administração de Itabuna, foi conduzida por Ubaldo Dantas, entre 1983 e 1988. Nota-se que essa foi a última gestão municipal sustentada pelo gordo ICM que enchia os cofres do município. (O ICMS surgiu na Constituinte de 1988). Será esse o ponto de inflexão?

Com a aproximação das eleições, pretensos candidatos e alguns politólogos, dizem saber quais são os problemas que impactam a capital do cacau, todavia, esse debate deve ser direcionado em outro sentido, de forma que se possa discutir: qual a solução e como tirar Itabuna do declínio experimentado pela população nos últimos 35 anos? Uma cidade centenária, com inúmeros problemas sociais e estruturais, que escolheu seus gestores baseado apenas no personalismo político, centrado no populismo, sem soluções plausíveis para as intempéries da população, portanto, sem planejamento estratégico governamental, está caminhando em qual direção? Qual visão de futuro está sendo construída para as próximas gerações e quantos mais deixarão a cidade nos próximos anos? “Quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Lewis Carrol.

Há grandes divergências entre a Administração Privada e a Administração Pública. Também encontraremos algumas convergências entre ambas, como o exercício das funções administrativas, centrada nos atos de planejar, organizar, dirigir e controlar. Uma das gigantescas discrepâncias entre essas duas áreas está no ato de escolher os profissionais que irão executar determinadas atribuições. Enquanto na área privada a empresa divulga a disponibilidade de recrutamento para determinado cargo, com peculiares exigências para contratação, como apresentação de currículos com as habilidades necessárias, experiência comprovada em CTPS e entrevista com o pretenso candidato, a fim de escolher aquele mais bem capacitado, na administração pública, o processo de escolha é antagônico, político e sem a aplicação de maiores critérios estabelecidos.

Na intimidade do voto, o eleitor tem a certeza de que seu candidato terá qualificação para solucionar as condições desfavoráveis da população? Esse voto é consciente, clientelista, ou é a Síndrome do Flamengo*? Por certo, ninguém tem a certeza de que o médico, o engenheiro, o advogado ou o empresário terão condições de conduzir Itabuna ao século XXI, a uma cidade inteligente e sustentável. Mais plausível seria a identificação de quem não tem essa competência ou falta de insipiência. Nesse sentido, João Ubaldo Ribeiro, em seu livro “Política – Quem Manda, Por que Manda, Como Manda”, lançado em 1981, argumenta “sobre o surgimento de um fenômeno contemporâneo, que vem pondo em risco até mesmo a representatividade popular nas democracias. Trata-se da diferença, cada vez mais ampla, entre quem detém a autoridade para as decisões e quem tem o conhecimento indispensável para tomá-las – ou quem, apenas, como acontece muito, é tido como detentor daquele conhecimento. O resultado disso é que o controle das decisões públicas, cada vez mais foge daqueles que são eleitos”, finaliza. Traduzindo para melhor entendimento, é a terceirização da escolha popular, quando um é eleito, tem a caneta, passa os quatro anos seguintes fazendo política, mas quem decide é o tecnocrata, aquele que não tem nenhum compromisso com a coletividade.

A título de compreensão, conforme dados extraídos do site do IBGE, atualizado em 2021, o salário médio mensal no município era de 2,1 salários-mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 21,6%. Na comparação com os outros municípios do estado, ocupava as posições 67 de 417 e 23 de 417, respectivamente. Já na comparação com cidades do país todo, ficava na posição 1674 de 5570 e 1342 de 5570, respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário-mínimo por pessoa (dados de 2010), tinha 39% da população nessas condições, o que o colocava na posição 405 de 417 dentre as cidades do estado (vejam bem, somente 12 cidades com índice pior que Itabuna, nesse quesito, em todo estado da Bahia) e na posição 2870 de 5570 dentre as cidades do Brasil. O que faz o copo transbordar, não é somente a última gota.

Sabendo da enorme quantidade de pessoas sem trabalho ou na informalidade, utilizaremos como parâmetro os métodos para geração de emprego utilizados pelas administrações que passaram pelo Centro Administrativo Firmino Alves – CAFA. Em todas elas, como praxe, são prometidas e criadas vagas para contratação de pessoal, seja por meio de Concurso Público, Processo Seletivo, através do Regime Especial de Direito Administrativo – REDA, ou até aquelas sem qualquer amparo legal. Ora, criar emprego tendo o ente público como mantenedor é a forma mais provincianamente empregada para cumprir esse tipo de promessa de campanha. Como exemplo, cito a lei nº 2114/2009, que instituiu os Cargos Comissionados, à época, com mais de 600 cargos (de CC1 a CC12) em comissão. Esses, devem ser cargos que envolvem além da confiança, os conhecimentos técnicos específicos para cada área, incluindo formação acadêmica. Poderia, hipoteticamente, serem assim distribuídos: chefia, direção, coordenação e assessoramento, vinculados à descrição das atribuições de cada ocupação. O artigo 94, III, e artigo 101, “b”, do Decreto-Lei 200/67, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, afirmava que “a escolha de ocupantes de cargos comissionados, deveria se pautar pela profissionalização e meritocracia”, exigindo uma postura qualificada que concilie a confiança com os critérios técnicos exigidos para o cargo.

Além do excesso de cargos disponíveis, na lei supracitada não consta nenhuma forma de gatilho ou reajuste dos referidos salários. Como a maioria dos cargos tinha como base o salário-mínimo, com o passar dos anos ela foi ficando obsoleta, eliminando a cada reajuste do SM os cargos que passavam a ter valor inferior ao estipulado pelo governo federal. Qual critério/planejamento foi utilizado para criação dessa lei, se com o passar do tempo ela foi se mostrando ineficiente, servindo apenas para contemplar alguns cargos? Ela foi substituída doze anos depois, pela lei 2525/20, promulgada em dezembro de 2020.

Em 2024, Itabuna irá para mais um período eleitoral. Será a nona eleição pós Ubaldo Dantas, pós vassoura-de-bruxa e a crise do cacau. No meu entendimento, as interrupções dos governos, podem ter contribuído para esse cenário desolador. Boas políticas públicas foram criadas nessas últimas três décadas e meia, com foco na coletividade em diversas áreas, porém, a troca dos atores responsáveis por elas, que ocorreram a cada quatro anos, afetaram a continuidade dos processos, tornando-as, às vezes ineficazes. Não identificaremos em quais proporções, mas renunciar ao instituto da reeleição, nesse contexto, em algum momento desse período, pode ter tido impacto negativo para a população. Como não devo me manifestar guiado por conjecturas, nunca saberemos ao certo como seria o governo de um dos ex-prefeitos e as suas políticas públicas, hipoteticamente reeleito pelos itabunenses. Digo isso porque, em algum momento desse período, a troca das peças que mantinham determinada política pública, pode ter sido nociva, abortando projetos que poderiam ter feito a diferença para a população, principalmente aquela que é invisível, imperceptível, que vive na pobreza, na miséria e com fome. Aquela que nem consta nos dados do IBGE.

*Síndrome do Flamengo é a enfermidade mais famosa nos diagnósticos de comportamento eleitoral no Brasil, cunhada pelo cientista político Fábio Wanderley Reis, nos anos 90. Ele retrata a suposta simplicidade das percepções e imagens que os eleitores usariam para basear seus entendimentos e condutas sobre a política institucional. O fato de os cidadãos não possuírem crenças estruturadas atinentes ao jogo político, afetaria, por consequência, a decisão eleitoral dos indivíduos, ancoradas em vinculações personalistas.

*Graduado em Ciência Política MBA em Cooperação Internacional e Políticas Públicas Pós-Graduado em Administração Municipal e Desenvolvimento Local Pós-Graduado em Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes Pós-Graduado em Gestão de Negócios Inovadores

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