O RETORNO DO BICHO DE SETE CABEÇAS
Esta semana tivemos a notícia de que a lei “antimanicomial” que regia a internação do dependente químico foi revogada pelo presidente Jair Bolsonaro esta semana, publicada no diário oficial no dia 5/6. Existe uma série de controversas que permeia este ato, ocasionando dissidências entre os especialistas acerca do tema sobre a internação compulsória A lei predecessora (10.216/01), já no seu artigo 6º classificava as internações do seguinte modo: “I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.”.
Todavia, o que se questiona é que esta nova lei, sancionada pelo Governo Federal (13.840), realizou algumas modificações substanciais na política antidrogas, e agora autoriza a internação compulsória de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial, o qual fere de pronto o primeiro princípio do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad (Lei 11.343/06), o qual, no artigo 4º : “São princípios do Sisnad: I – o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade”, destarte, o governo está suprimindo o direito de liberdade destas pessoas, direito resguardado pela Constituição pelo artigo 5º, e privando delas próprias de terem a autonomia de decidirem sobre as suas próprias vidas, o que é algo de extrema gravidade. Se a própria pessoa se recusa a se submeter a um tratamento de qualquer natureza, não será impossível que se ocorra a cura, mas se acontecer, o seu processo será marcado por dores incomensuráveis e muitas vezes desnecessárias.
A nova norma estabelece ainda que a internação involuntária deverá ser realizada em unidades de saúde e nos hospitais, desde que tenha o aval de um médico e que seja no prazo máximo de 90 dias, tempo considerado imprescindível à desintoxicação do depende químico. No entanto, a permanência dos pacientes compulsórios nesses estabelecimentos de tratamento ocorrerá unicamente de forma voluntária, devendo o internado expressar a sua vontade de forma expressa por escrito. Ela ainda gera divergências entre profissionais responsáveis pelo tratamento, não mais aceitando mais como antes a anuência da família para que haja a internação do usuário, permitindo que, em substituição da família, um profissional de Saúde ou assistente social possa solicitar a internação do dependente, o que vale uma dura crítica de que a participação da unidade familiar é determinante para o sucesso de qualquer tratamento.
Além da lei sancionada endurecer a política nacional antidrogas, como já demonstrado, ela acaba por dar incentivo às comunidades terapêuticas por ampliar o rol de instituições capazes de receber internos, muitas delas associadas às entidades religiosas; e aqui uma outra crítica: nem sempre estas instituições tratam bem os seus internos. É realidade incontestável de que muitas destas instituições as condições encontradas são semelhantes ao que se encontram nos inúmeros presídios. Muitas delas estão em estado deploráveis, são muitas vezes inumanas, funcionando em condições inaceitáveis, demonstrando de que não há nenhuma fiscalização do Estado quanto à regularidade no funcionamento destas clínicas, sem contar que existe um possível faturamento destas clínicas a partir da aplicação da nova lei.
O título deste artigo não é um mero acaso, refere-se ao filme estrelado por Rodrigo Santoro e Othon Bastos: Bicho De Sete Cabeças. Este filme é de 2001 e pode tranquilamente ilustrar o que irá acontecer, pois é um filme bem esclarecedor para quem quer saber o que ocorre de verdade nas clínicas psiquiátricas para dependentes químicos. Em suma, o filme conta a história de Neto, um jovem usuário de maconha o qual é internado contra a sua vontade pelo seu pai depois que este encontra cigarros de maconha em seu casaco. Neto é levado para um hospital psiquiátrico, onde ele é vítima de maus-tratos reiteradamente pelos próprios funcionários, além de sofrer situações abusivas, piorando drasticamente o seu quadro de saúde mental, afetando a sua relação com o seu pai de modo negativa.
Apesar disso, em todas as opiniões de especialistas no assunto: tanto a favor quanto contra, deparei-me com um argumento em comum: de que em algumas ocasiões específicas e pontuais, há a necessidade de existir uma intervenção compulsória, mas que está seja procedida conforme com o texto da lei antecessora, a qual previa que esta seria a última ratio, ou último recurso a ser aplicado, assim como exposto no artigo 4º caput: “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.”. Para os que são contra, a internação compulsória só se justifica apenas em aproximadamente 5% dos casos, quando o dependente de crack também apresenta um problema mental grave, quando o paciente apresenta psicose (delírios de perseguição e alucinações) ou risco iminente de suicídio.
É compreensível que as famílias que tenha alguém dependente busquem a primeira saída que elas encontram para que o problema seja solucionado, o desespero delas é justificável perante o quadro em que elas se encontram de serem obrigadas a assistir à um ente querido se entregar ao mundo das drogas e muitas vezes se encontrarem prepotentes, vendo nesta medida mais severa algo bom, mas reflitam se vale a pena submeter a um tratamento que muitas vezes é comparado a prisão, além da tortura que sofrem pela abstinência, e que todo este sofrimento algumas vezes não traz resultado, é em vão. O tratamento destas pessoas devem ser o mais humanizadas possível, com todo apoio familiar, os quais não devem desistir nunca de verem alguém que ama se livrar de algo maligno e destruidor. O ideal é que se tente todos os meios consentidos para se aplicar o meio mais severo.