O vírus do HIV foi visto pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos, pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Nos primórdios da sua proliferação , acreditava-se que esta doença se contraia exclusivamente entre as pessoas que tinham relações homossexuais e drogados que compartilhavam seringas ao usarem drogas injetáveis, uma vez que os primeiros casos identificados tinham este perfil, no entanto, este estigma perdura até os dias atuais. Passado mais de 30 anos, este rótulo (por mais que se informe amplamente na grande mídia de que qualquer pessoa que não se preserve devidamente na hora da relação sexual possa contrair a doença) persiste, e ainda contribui para a discriminação entre as pessoas LGBTQIA+, dificultando assim a promoção de direitos à igualdade, à liberdade, e de respeito a estas pessoas.
No feriado do dia 1º, a Suprema Corte deu continuidade ao julgamento do impedimento dos homossexuais doarem sangue. Este caso está em tramitação desde 2017, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista para analisar melhor o processo. Na sexta-feira, a maioria dos ministros: 6 dos 11 ministros, já se pronunciaram contra o impedimento imposto pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde. Todavia, o julgamento está previsto para se encerrar ainda no dia 8 de maio, próxima sexta-feira, desta forma, os ministros ainda podem mudar de opinião, e os outros devem dar o voto até esta data . Além do magistrado Gilmar, também votaram contra: Édson Fachin, Luiz Fuz, Rosa Weber, Barroso, e o Alexandre de Morais fez uma ressalva de que o sangue coletado deve passar primeiro por testes antes de doar para os casos em que a pessoa homossexual teve relação sexual num período de 12 meses.
A Anvisa e o Ministério da Saúde mantém estas proibições por razões de que estes sangues doados por homossexuais devem passar primeiro por testes, o que custará caros para os cofres públicos; o outro motivo ainda mais preconceituoso, versa que existe a ideia de que há maior incidência de HIV entre esses grupos, o que causaria um aumento significativo de risco de infecção a pessoa receptora do sangue doado. Ambas as ideias não fazem mais sentido em existir, visto que as pesquisas mostram que a realidade de 2020 é completamente diferente ao cenário que tínhamos na década de 80 e início dos anos 90.
Segundo o Ministério da Saúde, os relatórios do último boletim epidemiológico do HIV/Aids comprovaram que 73% dos novos casos de HIV em 2017 ocorreram entre os homens. Em 2017, um em cada cinco novos casos de HIV estão entre jovens de 15 a 24 anos. A taxa de detecção de AIDS entre os homens na faixa etária de 20 a 24 anos cresceu 133% entre 2007 a 2017, elevando de 15,6 para 36,2. De acordo com o site Mega Curioso, entre 1996 e 2006 a transmissão entre as relações heterossexuais saltou de 43% para 62%; já os dados da AIDS no Brasil de 2010 demonstram que a exposição ao vírus entre 1980 a 2010 foi muito maior entre os heterossexuais (30,5%), contra os homossexuais (20,1%). Um filme que ilustra bem a situação é Clube de Compra Dallas que conta a história de um eletricista, Ron Woodroof, e que é heterossexual, o qual contraiu a AIDS ainda na década de 80.
A Lei Maior, segundo o artigo 3º, em que se encontra os objetivos a serem alcançados pelo Brasil diz assim: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”; assim também versa o caput do artigo 5º em que se encontra a seguinte redação: “todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”. Esta expressão: “ de qualquer natureza” já inclui a distinção pela sexualidade. Sendo assim, é vedado ao Estado negar qualquer direito por motivos da orientação sexual da pessoa, uma vez que a ideia de grupo de risco já não condiz com a realidade do século XXI, e, ao invés deste conceito ultrapassado de grupo de risco, hoje se fala em comportamento de risco, ou melhor dizendo: o risco se dará a depender dos parceiros sexuais que a pessoa possui, se estes contém ou não o vírus, é que vai determinar se você está mais ou menos exposto à contaminação.
Com a crise da pandemia pela covid-19, o número de bolsas de sangue e de plaquetas reduziu drasticamente nos hemocentros, e uma das razões é justamente este impedimento no qual o Ministério da Saúde e a Anvisa persiste em impor ao grupo LGBTQIA+. Em nota, o Ministério falou que: “O Ministério da Saúde informa que as regras estabelecidas na Portaria de Consolidação GM/MS n° 5, de 28/09/2016, que substitui a portaria n° 158/2016, visam, sobretudo, a segurança transfusional, permanecendo inalteradas”. E, através de de uma portaria da Anvisa, foi imposto que os homens os quais tiveram relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores à doação não podem doar sangue. Porém, pelos dados acima já amplamente exposto, devo insistir de que esta postura não possui mais embasamento algum, não há como saber se qualquer pessoa que teve alguma relação sexual num período de 12 meses, tanto homossexual, quanto heterossexual, pode ter contraído a AIDS. Este fato só pode ser comprovado a partir de testes.
Visto que o estigma de que somente os homossexuais estão no grupo de risco da contaminação do HIV já deveria ter sido superado há muito tempo, não há razão alguma para continuar impedindo que os homossexuais possam ser doadores, se este preencher os demais requisitos gerais. Este julgamento poderá representar mais uma vitória na luta pela promoção de igualdade entre o grupo LGBTQIA+.