Por Francisco Carlos Duarte
Todos Estados democráticos consolidados detêm uma instituição contramajoritária para judicializar crimes de corrupção . Por ser do Estado o monopólio da violência, cabe a um representante estatal, o Procurador da República , exigir que aquele que incorre na prática de um crime seja punido.
No próximo dia 17 de setembro do corrente ano, a atual Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, considerada um obstáculo ao combate à corrupção, deixará o cargo caso não seja conduzida para mais dois anos. O Subprocurador-Geral da República, Dr Augusto Aras, desponta como o seu provável sucessor.
Augusto Aras se reveste de todas as qualidades contramajoritárias para o cargo, é professor da Faculdade de Direito da UnB, mestre em direito econômico pela UFBA e doutor em direito constitucional pela PUC-SP. .
Através da função contramajoritária, os direitos fundamentais servem como blindagem em face da vontade da dita maioria soberana. E essa blindagem ocorre quando a Carta Magna estabelece os meios para evitar a imposição da “vontade majoritária” a qualquer custo. Assim, os direitos fundamentais têm como característica o fato de conformarem a atuação do legislador ordinário, em um fenômeno denominado de “paradoxo da democracia”, que se refere ao antigo problema da abolição democrática da democracia.
Augusto Aras ingressou no MPF em 1987, e hoje é o coordenador da 3ª Câmara do MP (que cuida de temas econômicos e de direitos do consumidor). De 2012 a 2014, integrou o Conselho Superior do MP. Não participa da consulta da ANPR. E, sobretudo, é um líder exponencial, o que o legitima a assumir esse excelso cargo. O Subprocurador-Geral é o primeiro candidato à sucessão na PGR admitido a disputar o cargo “por fora”, sem concorrer na eleição que é realizada no MPF desde 2003, Augusto Aras, com 60 anos, critica o modelo atual do mainstream.
Para Aras, a lista tríplice fomentou o corporativismo e a promessa de favores em troca de voto, colocando também sob suspeita o sistema de votação.
A lista tríplice não é prevista em lei. A escolha do PGR cabe ao presidente da República. Por 16 anos, no entanto, a ANPR faz a votação e submete os três nomes melhor cotados aos presidentes, que têm mantido a tradição de considerá-la.
Definindo-se como progressista, Augusto Aras defende que não haja radicalização dos procuradores para tratar de questões socioambientais e indígenas.
A instituição PGR se orienta pelo princípio da contramajoritariedade. Esse também é aplicado à magistratura, e implica na submissão de velar pela Constituição e pelas leis. Logo, o princípio da maioria, inerente ao Legislativo e ao Executivo, é incompatível com a PGR. Instituições contramajoritárias devem observância à Constituição para exercer função moderadora.
O MPF, quando se submete ao princípio da maioria, através de eleições internas, atrai para seu âmbito os vícios naturais da política partidária, a exemplo do clientelismo, do fisiologismo, da política do toma lá dá cá, inclusive, eventualmente, embora em nível reduzido conhecido, de corrupção, como ocorreu em alguns episódios da última gestão [de Rodrigo Janot], com prisão do procurador da República.
Os procuradores não são eleitos pelo povo. O procurador-geral tem uma função de preservar o pacto federativo e representar o Ministério Público nas suas relações internas e externas.
Não existem no MPF critérios objetivos de pontuação para promoção por merecimento. Augusto Aras foi o único que propôs critérios, isso revela simplesmente a falta de idoneidade do exercício dessa lista que não é fruto do [sistema eletrônico de votação] que foi adotado pela ANPR. O sistema adotado [em 2005] sofreu uma pane até hoje inexplicável e, no mesmo dia, voltou a funcionar sob os auspícios da própria PGR [e não mais da associação]. Desde então é gerido pela mesma.
O primeiro valor do MP é sua unidade. O segundo é sua indivisibilidade por linhas. E o terceiro é sua independência funcional. Do contrário, teremos uma instituição não só fracionada, mas multiplicada, em que cada membro faria o que quisesse, sem respeitar a orientação dos órgãos superiores do MPF. O grande problema da lista é aquilo que os clássicos da ciência política cuidam, a idéia de partido. Partido como partir, fracionar, dividir, enfraquecer.
A independência funcional não pode contrariar a unidade e a indivisibilidade institucional. Se a Lava Jato funciona como uma instituição desapegada do restante do MPF, há um rompimento com a ordem. A Lava Jato é uma parte relevante do MPF. Quando ganha uma simbologia alheia, com autonomia constitucional que não a tem, ela corre o risco de incidir naquilo que é conhecido como um dos efeitos mais nocivos das instituições, que é o aparelhamento. A possibilidade de a Lava Jato administrar R$ 2,5 bilhões numa fundação privada viola a natural tripartição dos Poderes – haja vista que compete à União gerir verbas dessa natureza.
Diferentemente dos candidatos da lista, que estão a circular por todo o Brasil a promover jantares e encontros sociais – cuja fonte de financiamento é desconhecida-, Augusto Aras desponta como único candidato independente e sem rede de inclusão.
Quais as chances de Augusto Aras ser designado?
No caso brasileiro, especialmente durante a Operação Lava Jato, o PGR se aproximou do modelo italiano, com mais discricionariedade e com as barreiras entre Poder Judiciário e MP mais tênues.
Neste contexto, Augusto Aras deu suporte a Lava Jato, não como política de governo, mas como política de Estado.
Cabe referir, no entanto, que números superlativos de políticos e empresários investigados e presos na Operação Mãos Limpas na Itália não escondem, contudo, uma aparente unanimidade de que os 281 magistrados foram incapazes de acabar com a corrupção na Itália e que o país ainda é um dos que mais padecem desse mal na Europa. A operação Mãos Limpas pode ser considerada uma conquista incrível em curto prazo, mas um fracasso em longo. O problema é que as reformas institucionais necessárias não foram realizadas, modificando pouco as bases que tornaram possível a ocorrência de ilegalidades. Além das consequências políticas, com o desmonte do sistema partidário e a eleição do controverso Berlusconi, houve uma espécie de frustração por parte da sociedade, já que o número de condenações teria sido proporcionalmente baixo – dos 3.200 réus, 2.200 não foram condenados. E o resultado é que a corrupção deixou de ser importante no debate eleitoral: somente 0,2% dos eleitores em 2008 consideravam o tema como a pauta prioritária do governo.
Em relação ao Brasil, seria prematura uma conclusão definitiva sobre a Operação Lava Jato de maneira geral e sobre seu braço na primeira instância de maneira específica. Não se sabe, por exemplo, se algum dos protagonistas tentará a carreira política, como foi o caso entre os magistrados italianos. Também não é ainda possível afirmar se esse modelo será reproduzido em outras comarcas e para diferentes casos. Os resultados da movimentação dos políticos no calor dos acontecimentos para limitar a judicialização do combate à corrupção e se proteger de prisões decretadas pelo Judiciário, semelhante ao que ocorreu na Itália pós- -Mãos Limpas, têm resultados ainda incertos.
Há áreas de confluência com o governo, como a econômica, mas também há possíveis áreas de atrito, como a questão ambiental e indígena, que passam pela PGR.
Não é possível ignorar que a proteção das minorias, inclusive indígenas, passam por interesses econômicos relevantes, internos e externos. Não é possível ignorar que as reservas indígenas têm minerais estratégicos.
Augusto Aras é contra avançar para dentro das terras indígenas. Defende a ideia de que haja uma avaliação, no que diz respeito ao meio ambiente e à cultura indígena, não radicalizada, destituída de ideologização de natureza política ou mesmo de natureza econômica externa, que é o que ocorre hoje. A Amazônia tem 95% de todas as ONGs do Brasil.
Confesso publicamente aquilo que já confessei em privado. Estou de pleno acordo com as posições contramajoritárias do Dr Augusto Aras. Aqui, publicamente, declaro essa minha aposta pelo seu projeto de gestão contramajoritária . Pela sua postura, pela sua conduta ética , pela sua trajetória de vida e especialmente pela consistência e congruência frente à PGR.
Francisco Carlos Duarte é P.h.D in Law, Professor titular dos cursos de mestrado , doutorado e pós-doutorado da PUCPR, Procurador do Estado do Paraná e autor de 25 livros de direito e com estágio doutoral nos Università del Salento, Granada e Universidade Técnica de Lisboa. Atualmente, possui mais de 30 milhões de visualizes no Google.