Pioneira entre as universidades federais, a UFMG entregou títulos de Doutor por Notório Saber a 15 artistas e mestres de saberes populares e tradicionais de Minas Gerais e da Bahia. Cerimônia na noite desta segunda-feira, 17, no campus Pampulha, reuniu membros da comunidade acadêmica e de grupos quilombolas e indígenas, que celebraram a ocasião com cânticos rituais.
“Hoje reconhecemos e legitimamos formalmente, por meio de um título acadêmico, a entrada na UFMG de outras epistemes e formas de pensamento, filosofias, práticas e valores. Essa medida decorre da compreensão de que compartilhar saberes plurais que induzem a políticas inclusivas é também uma função da universidade pública”, afirmou a reitora Sandra Goulart Almeida. Ela lembrou que os titulados têm relação antiga com a UFMG e relatou que o processo que culminou na entrega dos diplomas teve início em 2014 e passou por diversas etapas, da produção de memoriais à aprovação unânime do Conselho Universitário.
A cerimônia abriu a programação do evento Encontro com mestras, mestres e artistas do Notório Saber, organizado pela Pró-reitoria de Cultura e pela Formação Transversal Saberes Tradicionais, que integra a Semana do Conhecimento UFMG, realizada nesta semana.
Sueli Maxacali, uma das novas doutoras, disse que o reconhecimento da UFMG “abre novos caminhos para todos nós, mestras e mestres, e faz nossas culturas ainda mais fortes. É preciso manter a luta dos mestres viva para os nossos povos”.
A cerimônia teve a presença do professor José Jorge de Carvalho, da Universidade de Brasília, que concebeu o Encontro de Saberes, em 2010. O encontro foi realizado por quatro anos na UnB e, em 2014, chegou à UFMG. “Este é um evento histórico, sem precedentes, e certamente será inspiração para outras instituições brasileiras”, disse. “Trata-se de uma mudança de paradigma. Esses mestres já interagem com a academia, mas agora ganham legitimidade em outro nível, cerimonial.”
Foram diplomados o Cacique Nailton Muniz Pataxó; o líder indígena xacriabá Valdemar Ferreira dos Santos; Mestra Mayá, da Terra Indígena Caramuru Paraguassu, na Bahia; José Bonifácio da Luz (Bengala), líder quilombola da comunidade dos Arturos, em Contagem; Mameto Kitaloyá, liderança do terreiro Nzo Atim Kitalodé, em Belo Horizonte; Dirceu Pereira Sérgio, capitão regente e presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis, em Ribeirão das Neves; Joelson Ferreira dos Santos, líder da Teia dos Povos e do Assentamento Terra Vista em Arataca, na Bahia; Mestra Japira, pajé da aldeia Novos Guerreiros, na Bahia, e zeladora dos saberes Pataxó; Edson Moreira da Silva (Primo), mestre de capoeira; Cacique Babau, liderança da aldeia Serra do Padeiro, no sul da Bahia; Isael Maxakali, líder do povo Tikmũ’ũn (Maxakali); Sueli Maxakali, líder do povo Tikmũ’ũn; Gil Amâncio, ator, dançarino e músico; Maurício Tizumba, ator, compositor e multi-instrumentista, e Ricardo Aleixo, artista intermídia e pesquisador de literaturas, outras artes e mídias.
Políticas respeitosas e de impacto social “Uma universidade inclusiva é regularmente confrontada com outras realidades. Novas perguntas são formuladas, velhas estruturas são questionadas. A presença múltipla favorece a ampliação dos modos de perceber e questionar a sociedade, a ciência e a própria lógica da produção de conhecimento”, disse Sandra Goulart Almeida. “E a mudança de percepção favorece a indução de políticas respeitosas e de amplo impacto social.”
A reitora da UFMG mencionou os ataques que as universidades têm sofrido, de natureza material e simbólica, para reforçar que a instituição tem o compromisso de atender os interesses e demandas de toda a sociedade, “e especialmente dos que mais necessitam”. Ela lembrou também que a UFMG comemora, em 2022, 95 anos de “muita dedicação, resiliência e também rebeldia”.
Sandra exaltou os doutores por notório saber, “pessoas que dedicaram suas vidas à aquisição, constituição e transmissão de conhecimentos de relevância social e coletiva, inserindo uma necessária intervenção em nossos modos de pensar o conhecimento”. E reforçou a capacidade da UFMG de “se repensar e se reinventar a cada novo desafio, a cada novo obstáculo, a cada momento em que é necessário se modificar para se ajustar a uma visão de mundo que seja, de fato, transformadora”. Ela mencionou nomes de professores que trabalham há muito tempo pelo reconhecimento dos saberes tradicionais, como Leda Martins, Ana Gomes e César Guimarães
Leia mais...