A advogada e Especialista em Direito Constitucional, Lilian Hori, e seu podcast semanal, Resumo do Congresso.
Leia mais...PODCAST: RESUMO DO CONGRESSO NACIONAL, COM LILIAN HORI
O VERDADEIRO CARTÃO SEM LIMITES
Esta semana está sendo bastante divulgado, pelas redes sociais, um fato no mínimo muito peculiar: o governo comprou mais de 15 milhões em leite condensado no ano passado, fato este que gerou muitos memes e piadas pelos internautas os quais são contra o governo do presidente Jair Messias Bolsonaro.
Este caso teve início após o jornal Metropolis divulgou um dado em que o governo gastou em cartão corporativo o montante de 15,6 milhões em leite condensado além de outros gastos homéricos em produtos alimentícios como R$ 2,2 milhões com chicletes, R$ 32,7 milhões com pizza e refrigerante, e R$ 6 milhões com frutos do mar. A notícia causou tanto alvoroço entre a população, que o site da transparência saiu do ar.
Ocorre que, este valor estratosférico não vem apenas do Poder Executivo como da a entender os diversos memes proliferados pelas redes sociais. Na verdade, os números reais são: de R$ 15,6 milhões gastos, R$ 14,2 milhões foram empregados pelo Ministério da Defesa (o qual se pronunciou acerca do caso). Em seguida, os maiores gastos provêm dos ministérios da Educação (R$ 1 milhão), da Justiça (R$ 327 mil) e da Saúde (R$ 61 mil) respectivamente. Sobre o caso, o Ministério da Defesa disse que o valor da compra foi por conta da alimentação fornecia às Forças Armadas, que possui atualmente 370 mil pessoas. Mesmo com esta justificativa, gastar 15 milhões em leite condensado é um absurdo, uma vez que o orçamento para bolsa de estudo no CNPq para 2021 será de apenas 22,5 milhões.
Não é a primeira vez em que temos um escândalo envolvendo o tal cartão, aliás, desde de que foi criado, ele sempre foi alvo de escândalos em todos os governos. Um caso que vale relembrar foram os R$ 55 mil gastos com o segurança da filha do ex-presidente Lula em 2008, o que deu início à CPI dos Cartões Corporativos o qual comprovou um aumento de 129% num interstício de um ano apenas, além de muitas mordomias os quais foram pagos com dinheiro público, como hotéis de luxo, carros com motoristas, entre outros luxos presidenciais. Ao todo, nos dois governos petistas foram gastos cerca de 670 milhões em cartões corporativos.
O famigerado cartão foi instituído em 2001 com intuito de substituir o cheque emitido pela Administração Publica, porém, ele só foi permitido a sua utilização no ano seguinte. A princípio, a ideia era de que este só seria permitido a sua utilização em casos extremos, é que fossem uma quantia irrisória; contudo, a facilidade em usar o tal cartão, sem que houvesse algum limite de valor de compra, se tornou meio para compras peculiares, requintadas e sigilosas do governo, tanto o é que 95% dos gastos realizados por este meio é posto no Site da Transferência como sigiloso, além de custearem viagens de lazer, culinárias requintadas, e até uma reforma de uma mesa de sinuca em 2007.
No Portal da Transferência diz que: “Despesas com suprimento de fundos somente podem ser realizadas nas seguintes condições: a) atender a despesas de pequeno vulto, assim entendidas aquelas cujo valor, em cada caso, não ultrapasse o limite estabelecido na Portaria MF nº 95/2002; b) atender a despesas eventuais, inclusive em viagens e com serviços especiais, que exijam pronto pagamento; c) quando a despesa deve ser feita em caráter sigiloso, conforme regulamento”. O que dá margem a infinitas compras indevidas pagas pelo povo.
Apesar de ter sido uma das promessas de campanha, Bolsonaro não acabou com o cartão em seu governo (ainda), e, ao que tudo indica, ficará apenas na promessa, o que é uma pena, pois nas mãos dos governantes, as despesas destes são pagas constantemente com o dinheiro público sem que haja nenhum controle, limites ou fiscalização. A atual gestão gastou tanto quanto os governos anteriores, ao menos é o que mostra o site do governo: em média, até junho do ano passado, houve um acréscimo de 60% em relação ao governo Michel Temer, e em relação aos governos petista, houve uma alta de 3%. O presidente atribuiu o alto montante ao fato de ter financiado o resgate de 34 brasileiros em Wuhan ainda no inicio da pandemia, contudo, foram registradas viagens no cartão corporativo presidencial na época do carnaval.
O governo deveria ou extinguir de vez, ou no mínimo reformular a forma de gastos realizados pelos cartões, e apenas permitir o seu uso após uma análise profunda da urgência, jamais permitir para uso pessoal, e que todas (talvez com uma única exceção dado ao motivo de segurança nacional) serem divulgadas no Portal da Transferência, sendo totalmente discriminada o valor do pagamento, a data de compra, e o objeto ou o serviço adquirido, afinal, nada que envolve o dinheiro público deveria ser ocultado à população, uma vez que fere, em seu âmago, o princípio basilar da Administração Publicação, cujo é a publicidade dos seus atos, é que está estampado no artigo 37 da CF.
Leia mais...MODIFICAR A CONSTITUIÇÃO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO
No domingo passado, dia 6, o STF decidiu de uma vez por todas a impossibilidade de reeleição tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Por 7 votos contra, os atuais presidentes das duas casas legislativas, Rodrigo Maia da câmara dos deputados, e Davi Alcolumbre do senado federal, não poderão se candidatar à reeleição aos cargos em que ocupam atualmente para os anos de 2021 e 2022.
Este fato pôs fim a uma discussão completamente desnecessária, visto que a própria Constituição da República é muito clara no seu texto no artigo 57, § 4º o qual diz : “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”.
A ação foi movida pelo presidente do partido do PTB, Roberto Jeferson, o qual é aliado político do presidente Bolsonaro, para barrar a recondução de Maia para o cargo. A intenção ficou mais evidente através do voto dado pelo novo membro do Supremo, Marques Nunes, cujo foi a primeira indicação ao cargo de ministro do STF feita pelo Bolsonaro como chefe do poder executivo. O ministro neófito votou contra a reeleição de Maia, todavia também foi a favor da reeleição de Alcolumbre.
Vale uma relembrar que talvez o resultado da votação não fosse tão óbvio como se mostra a primeira vista, uma vez que em outro momento os próprios membros do Tribunal Superior já haviam decidido por outro entendimento diverso ao texto constitucional, que foi o caso da possibilidade da prisão em segunda instância do ex-presidente Lula, em que a redação constitucional novamente é taxativa em dizer que só existe a prisão quando houver o trânsito em julgado, ou seja, na última instância, e os magistrados votaram a favor da prisão em segunda instância, o que se mostrou ter sido mais uma votação política do que respeitar a Lei Maior.
O caso do deputado Rodrigo Maia é atípico, já que ocupa a vaga de presidente desde a saída do ex-presidente da câmara: Eduardo Cunha (MDB-RJ), o qual foi preso pela Operação Lava-Jato. Sendo assim, este, de fato seria a terceira vez em que ele ocupa o cargo como presidente. Na época, ele conseguiu manobrar o mesmo texto constitucional argumentando que: “seu caso não se encaixava nessa regra porque não havia cumprido um mandato completo de dois anos como presidente.”
Sendo assim, na época, o parlamentar conseguiu o apoio do partido do PSL, o qual era o partido do presidente da república, assim como também o apoio do PDT e PCdoB. Maia deu a declaração de que não tinha a intenção de se candidatar ao cargo novamente, porém não é o que está parecendo, pois alguns parlamentares afirmam que ele tem agido como mal perdedor, assim como o Trump nos EUA, inclusive foi a declaração dada por Nogueira ao jornal Estadão: “Não sei se existiu ou não esta frase, mas meu amigo Rodrigo Maia está igual ao Trump ao deixar o poder”, e que nunca houve algum intuito para indicação de um sucessor ao cargo pelo presidente da câmara.
O placar final da votação que se findou no domingo ficou assim: Sobre uma eventual reeleição de Rodrigo Maia: 7 votos contra que foram de: Nunes Marques, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux; e 4 votaram a favor que foram: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e aRicardo Lewandowski. E acerca da reeleição de Davi Alcolumbre: 6 votos contra: Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux; e 5 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
Como já foi mencionado, não foi a primeira vez em que se tentou dar outro entendimento diverso ao texto constitucional, mesmo quando este é expresso, claro e taxativo, dando-lhe outro significado totalmente diverso o que é perigoso. E ressaltando que esta manobra é o oposto do que seja o fenômeno da mutação constitucional, que é a modificação da interpretação do texto constitucional, cuja redação foi escrita em uma época com outros costumes e pensamentos pela sociedade, e este fenômeno ocorre com a finalidade de adequar a legislação à nossa realidade presente, esta tem caráter nobre, de melhor adequação das leis no tempo, a outra é uma artimanha com intuito de infringir a lei. Tentar dar outra interpretação a um texto taxativo é uma manobra a qual é feita apenas para satisfazer a vontade de alguns poucos, ou seja, burlar a legislação em benefício próprio.
É necessário fiscalizar sempre estas tentativas obscuras de driblar a legislação, e é importante nunca deixar que absurdos venham a se concretizarem, pois estas práticas podem virar rotina e acabar pondo em xeque a segurança jurídica e a eficácia da Constituição, tornando-a apenas um livro sem legitimidade, ou meramente uma folha de papel.
Leia mais...A COVID-19 E OS CRIMES DE CHARLATANISMO E CURANDEIRISMO
“Trago o seu amor de volta em 3 dias”, “tome banho de tal planta/flor e os anjos vão te proteger”.Estas frases de efeito que prometem milagres , realizações, proteção, sorte espalhadas nos postes e muros das cidades; são, muitas vezes (sim, estas são exceções), fontes para enganar pessoas, que, mesmo muito inteligentes, são muito fiéis as suas crenças, seja cristã, de matrizes africana, orientais, ou pagãs. De início, não há nenhum mal em ter alguma crença, ou superstição que te faça ter esperança de sorte em algum âmbito da vida, seja no amor, dinheiro, carreira, saúde, família. É costumeiro alguém vestir a mesma camisa ou tênis surrados em dia de jogo do seu time do coração, ou ter um objeto como amuleto com poderes sobrenaturais (pé de coelho, olho de Horus, pimenta, trevo de 4 folhas, uma pedra) que lhe dará sorte naquela entrevista de emprego dos seus sonhos, no dia da prova daquela matéria insuportável, oferecer flores, adereços, velas a santos, ou até adotar hábitos como entrar em um local com o pé direito, só receber presente com a mão direita, ou evitar certas acontecimentos para espantar o azar como não passar embaixo de uma escada, não cruzar com um gato preto na rua.
Casos curiosos e famosos demonstram o quanto o ser humano é dotado da extrema necessidade de seguir um guru, um ser superior, ou um guia espiritual, ou ter certas superstições em relação às coisas da vida; exemplos conhecidos não faltam; exemplo de em 2003, José Sarney, ao substituir Antonio Carlos Magalhães na presidência do Senado, realizou uma busca por todo o gabinete com o intuito de encontrar algum grampo, porém, ao invés de grampos, foi encontrados patuás de candomblé espalhados pelo recinto. O senador então foi para um espaço que era menor ao lado da sala. Algo sem muita lógica se você não acredita no sobrenatural.
Na nossa Lei Maior está resguardado o direito da liberdade de professar qualquer crença e cultua qualquer religião, inclusive o exercício dos cultos e a sua liturgia: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias” que consta no Art. 5°, VI da Magna Carta. O direito de fé e de professar a sua crença é inclusive um direito humano.
Porém, não é incomum que alguns líderes religiosos e pessoas que se dizem ter dons sobrenaturais se utilizarem desta liberdade de crença para prometerem falsos milagres: prever e até mudar o futuro, realizando os desejos mais íntimos e profundos de pessoas inocentes ou crentes fervorosos. Estes criminosos constantemente vendem objetos: pedra, pedaço de pano, flores, água, sabonetes, incensos, perfumes, entre outros, capazes de realizar os seus desejos e fazer tornar real algo que se sabe depender de outras coisas. E estamos falando de dois artigos específicos: 283 e o 284, mais precisamente crime de charlatanismo é-o crime de curandeirismo, ambos são crimes contra a saúde pública.
Para explicar o que é o crime de curandeirismo, posso conceituar conforme o código penal, o qual está assim: “Art. 284 – Exercer o curandeirismo: I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III – fazendo diagnósticos: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único – Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.”
Um caso de um líder religioso que acabou por cometer fraudes contra as pessoas crédulas e inocentes por anos e o seu crime obteve uma proporção internacional foi o João de Deus. Este curandeiro começou a sua fama dizendo que era dotado de dons da cura desde menino; quando cresceu, este iniciou a sua carreira atendendo diversas pessoas, inclusive muitos famosos, e até personalidades estrangeiras, realizando procedimentos controversos conhecidos como cirurgias espirituais, e ficando conhecido como curandeiro. Foi apenas em 2018 que o dito médium foi desmascarado, sendo acusado de mais de 300 crimes sexuais entre violação sexual mediante fraude e de estupro de vulnerável que ocorreram dentro do recinto onde realizava as suas supostas curas: a Casa Dom Inácio de Loyola, em Goiás. Alem desta condenação em 2019, ele também foi condenado por diversos outros crimes.
Já o crime de charlatanismo está disposto no artigo 283 do Código Penal e diz assim: “Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”.
Assim como o caso descrito de João de Deus, nesta época de pandemia, em que o mundo inteiro se uniu na causa da busca de uma solução para a covid-19, e correndo contra o tempo para encontrar possíveis curas, vacinas, ou tratamentos possíveis, para que todas as pessoas ao redor do mundo retorne à sua normalidade e que todos possam retornar as suas atividades diárias. O primeiro caso é o do pastor renomado da Igreja Mundial do Poder de Deus, Waldemiro Santiago, o qual divulgou diversos vídeos pela internet anunciando a venda de sementes de feijão, as quais custavam de R$ 100,00 até R$ 1.000,00 cada, e, segundo o líder religioso, se fossem cultivadas, elas teriam o poder milagroso de curar a covid-19, colocando assim vários fiéis em risco, uma vez que não há nenhuma comprovação de que estes feijões tivessem de fato algum poder curativo contra a doença. Destarte, o pastor evangélico agiu fraudulentamente, uma vez que se utilizou da sua imagem de líder religioso com o fim de enganar pessoas de boa-fé que confiariam na sua palavra de homem de Deus, e, a divulgação de vídeos neste sentido pode colocar todas as pessoas em risco, visto que muitos, acreditando no anúncio e de estar curado, ou estar imune à doença, não seguirão mais as recomendações apropriadas.
O Ministério Público Federal de SP, o qual está investigando o caso, indiciará também o Ministério da Saúde por ter retirado da sua página oficial um alerta acerca dos falsos feijões milagrosos. O MPF ingressou com uma ação civil pública com intuito de que o líder religioso conjuntamente com a igreja paguem de indenização o valor de no mínimo R$ 300 mil por danos sociais e morais coletivos segundo o próprio blog Ipolitica.
O segundo caso que merece ser comentado, porém não tão divulgado, foi a cartomante que pediu 100 mil reais para espantar os espíritos malignos de uma empresária de 47 anos em Brasília. A vítima teve uma primeira consulta a qual foi feita gratuitamente. A golpista, dizendo que faria um trabalho espiritual que a livraria de espíritos malignos que a rondava, cobrou uma nova sessão no valor de R$ 820,00 reais, dinheiro que seria utilizado apenas para comprar os itens fundamentais para a realização do trabalho. Depois de 4 dias, a vítima retornou à casa da falsa cartomante, o que esta lhe falou que haviam feito um trabalho contra a empresária, o que estava atrapalhando a vida da vítima, pois 72 demônios estavam atormentando a vida da empresária. Para desfazer o trabalho, a criminosa solicitou a quantia de 72 vezes 820 (valor da primeira cobrança). Não satisfeita, ainda exigiu que a empresária lhe entregasse as suas jóias. A vítima, após perceber que caiu em um golpe, denunciou à polícia. A falsa vidente devolveu as joias depois de prestar depoimento, já a vítima não deu prosseguimento ao processo. Todos estes casos, além de muitos outros envolvendo falsos adivinhos, feiticeiros, videntes, têm o intuito de enganar pessoas que creem em magias e milagres e extorquir o dinheiro delas. Um problema é que grande parte dos religiosos preferem não julgar seus líderes, uma vez que consta no livro da Bíblia que a vingança e a justiça pertencem a Deus, contudo, se os líderes religiosos, assim como falsos cartomantes, falsos adivinhos e feiticeiros devem ser punidos, pois são estelionatários. A crença deve ser livre, mas as pessoas que se aproveitam disso devem ser julgadas como qualquer outro criminoso.
Leia mais...